quarta-feira, 25 de setembro de 2013

photo @ JP.Fernandes notaloneinmybrain

In waves the ships have all sailed to the sea
Well do you wanna wait or leave with me tonight
Cross your heart and pray the ocean will take us all the way in...

Deftones, Bloody Cape

Uma deriva sem amarras nem portos, sem faróis nem faroleiros. Tempestades, trovoadas, vendavais, cascos furiosamente postos à prova, velas rasgadas, corpos jogados ao chão. Que há mais marés que marinheiros, dizem-me. Que da tormenta se faz calma. Rendo-me ao porão e atiro-me para o meio de caixotes de madeira putrefacta que por lá deslizam, rendidos que estão ao capricho da maré alta e revolta que agita este barco, sem rei nem roque, nem capitão que o leve a bom porto. As falhas rasgam-me a pele, cortam-me os pés, devoram-me o corpo e revolvem-me por dentro o que não consigo curar por fora. Desfeita de madeira, recolho os destroços de mim mesma e lanço-os borda fora. Que hão-de dar à costa numa praia qualquer onde tu vais estar, para que os recolhas e os engulas um a um, garganta abaixo, e que neles a faringe e a laringe se te cortem e te sangrem e saibas por fim que a mar salgado não sabe o amor que não se dá, mas tão só e apenas a sangue.


terça-feira, 24 de setembro de 2013

Hoje podia jurar ter-te visto por duas vezes. Numa delas, pedalavas a 24 de Julho num corpo esguio e seco que não era o teu, envergando um blazer vintage em tons claros que jamais te imaginaria usar. Mas a barba, os óculos, as linhas perfeitas do rosto eram todos teus. Mais tarde passeavas-te ali para os lados da Madragoa, Rua das Trinas, não me falhe a memória. Distinto, aprumado, decidido. Não te reconheci nas atitudes, mas o corte, um trejeito ou outro e o movimento das mãos eram todos teus.

Dias há em que desapareces. Dias que encho de areia e de mar, de neblinas e de espuma, e como que encandeada do sol, não te desvendo mais nas esquinas nem nos cafés nem no meio da multidão. Outros de tal ordem são, que repetidamente levo os olhos na mesma direcção, forçando-me num acto de masoquismo a assumir que não és tu que estás lá, nem uma sombra de ti, nem sequer alguém parecido contigo. São meras reminiscência que a minha memória vai insistindo em projectar aqui e ali, maldosamente lembrando-me que ainda vives dentro de mim. 

Até quando, pergunto-me.