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photo @ Anne Arden McDonald www.anneardenmcdonald.com |
Noutro dia, dei por mim a ir
sozinha ao DocLisboa, e se há poucas coisas que me proponha a fazer sozinha, uma
delas é sem dúvida ir ao cinema. O documentário versava sobre a imagem na
Coreia do Norte, mas pouco ou nada fiquei a saber sobre o assunto, já que dei
por mim a dormir a maior parte do tempo. Era Domingo, cinco da tarde, estava
ligeiramente de ressaca e lá tive que ceder e deixar-me dormitar em pleno
filme, pese embora fosse um assunto que me interessasse.
A última vez que me lembrava de
ter feito algum programa sozinha, foi numa das idas a Londres, e lá me pus a
ver o Museu de História Natural… sozinha. Depois de me ter apercebido da
dimensão dantesca das salas, decidi começar por arriscar uma sala onde vi uma
estátua da Ilha de Páscoa. E pronto, foi isto, dei meia volta e mandei-me para
a rua, onde pelo menos entre as pessoas tinha a ilusão de não deambular por
minha conta e risco (afinal de contas, ainda bem que não vi o Museu, que este
mês volto lá com o meu irmão e sei que nos vamos divertir muito mais a conhecer
o Museu juntos).
Esta coisa de andarmos e fazermos
coisas sozinhos pode causar estranheza quando durante muitos anos nos
habituámos a ter alguém que automaticamente nos acompanhava para todo o lado. Mas
o medo da solidão não se deve confundir com a fobia de nós próprios. Todos
temos fantasmas, esqueletos no armário cujas portas não gostamos de abrir. E
estarmos sozinhos deixa-nos especialmente vulneráveis a todas as coisas que nos
amedrontam. Mas estar sozinho não tem que ser necessariamente mau. Antes pelo
contrário: se bem aproveitado e compreendido, pode e deve ser um momento de
reforço do nosso ego, da nossa força interior, e especialmente, da sã
convivência connosco próprios, por muitos fantasmas e esqueletos que possamos
encontrar perdidos dentro de nós.
Por mim falo, que passei uma vida
inteira a “varrer para debaixo do tapete” tudo que me assustava, tudo que me
magoava, tudo que me deixasse frágil, vulnerável, indefesa. E se em muitos
momentos, a minha sanidade mental dependeu de me isolar da realidade e em
fazer-me acreditar que tudo havia de ficar bem, hoje felizmente já não preciso
de me esconder dos piores sentimentos nem de fingir que tudo vai ficar bem. Permito-me sentir a dor
quando tenho que a sentir, permito-me chorar a tristeza quando tenho que a
chorar, e permito-me especialmente viver a zanga quando assim se impõe.
Hoje tenho o privilégio de poder
fazer o que não fiz durante um passado inteiro. Ao invés de contornar as
dificuldades tapando os ouvidos e fechando os olhos, abro agora os armários
todos e sacudo bem sacudidos os esqueletos. Mas que não se pense que o facto de o fazer
voluntária e conscientemente torna a busca mais fácil. Nada mesmo. Perscrutar o
que temos dentro não é de todo uma tarefa fácil, quanto mais prazerosa. O bom
disto tudo, é que a dada altura se percebe que afinal cá dentro há mais do que
armários empoeirados. Há salas cujas portas apetece abrir, cuja luminosidade se
quer aproveitar, sentar e desfrutar da vista. Afinal, estar sozinhos
connosco próprios é até bom, e não tem que ser nenhum bicho de sete cabeças.
Excepção feita, claro está, a
idas solitárias ao cinema que se transformam em sestas por falta de quem nos obrigue
a estar acordados. Um desperdício de dinheiro…