domingo, 20 de outubro de 2013


The business of life is the acquisition of memories. In the end, that's all there is.
Mr. Carson, Downton Abbey

Sempre que confeccionava um prato novo, uma sofrida antecipação em ansiar a tua aprovação, o garfo mais exigente que já me passou pelas mãos. Na descoberta de uma série nova que valesse muito a pena, a excitação de a partilhar contigo, quando tu muito provavelmente já tinhas chegado ao terceiro ou quarto episódio. E a cada pequena vitória ou a cada grande conquista, uma vontade louca de dividir contigo essas alegrias de que se faziam alguns dias. Guerrilhas eternas em torno das refeições, porque a tosta de frango já soava a repetido, e a salada de polvo talvez fosse um acto negligentemente heróico para primeira refeição do dia. "Levo casaco? Achas que vou ter frio? Levo gorro? Ténis ou chinelos? Esta camisola ou antes aquela?" Não sei, despacha-te, que o que mais quero é ir apanhar sol! Mas bem lá no fundo, deliciar-me dessas indecisões que te faziam dependente da minha opinião, afinal tão importante no frio que ias sentir ou se devias ou não tapar a cabeça com o tal do gorro. Incontáveis os beijos que perdia para os mais que muitos esquissos espalhados pela casa, ou para as letras que escrevias hipnotizado em frente ao teu adorado Mac. Mas cada beijo não recebido valia a pena, pois desses beijos que deixámos suspensos no tempo, se construiu um dia atrás do outro uma admiração por um lado artístico tão inevitavelmente atraente, tão irremediavelmente viciante.

E é destas aquisições de memórias - umas certamente mais relevantes e úteis que outras - que se alimenta um sentimento quando se ama alguém. E são também estas memórias que nos tolhem o discernimento quando o que está em causa é um processo de esquecimento do qual depende a nossa sobrevivência, o manter a cabeça à tona da água. Tudo, mas tudo se complica, quando se confunde a alimentação desse sentimento, com o amor às memórias do que se viveu. 

E no fim de contas, o que prevalece afinal? Será o amor, ou será a força atroz das memórias, que num movimento centrípeto e quase impossível de contrariar, não nos deixam delas escapar? Porque como diz o Carson, e bem... In the end, that's all there is.

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