quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

photo @ Pedro Miguel Rodrigues 2014
PMRPHOTOGRAPHY

Há sonhos que já não se podem ter. Exemplo? Noutro dia, por uma fracção se segundos, pensei "quando tiver uma mãe, quero que ela se pareça com a Merryl Streep". Mas não, este não é o tipo de desejos que se pode mais ter, porque mãe há só uma, e a minha já não há mais. Há noites assim, que não chegam a passar de uma espera num banco vazio, cinzento esquecido numa estação de comboios. Nesta viagem não há bilhetes, nem de ida, nem de volta. Há tempos que se cruzam, vidas que se enlaçam, anos que passam e damos cada vez menos por eles. É boa a passagem do tempo, aprende-se a destilar melhor o que é bom do que não nos faz bem. A beber mais das alegrias, a sentir menos as saudades. Aprende-se que há pessoas que fazem valer os nossos dias. E que há concertos, fragmentos de músicas, que validam uma vida inteira, todos os segundos que congeminaram para que vivêssemos aquele momento. E assim ficamos, entrelaçadas uns nos outros, à espera que passe o próximo comboio, que chegue a próxima viagem. A vida pulsa-nos dentro.

domingo, 21 de dezembro de 2014

Fique de vez em quando só, senão será submergido. Até o amor excessivo pode submergir uma pessoa.
Clarice Lispector

A noite caiu já, o breu abraça implacável a cidade, indiferente ao amarelo incómodo que a iluminação pública atira para as ruas. Ainda assim embrenhada de negro, a cidade seduz e desperta-me todos os sentidos, apetece-me fotografar-lhe cada aresta, os becos sem saída, as artérias que descem das colinas para o Tejo. 
Em parando para pensar nisso, não sei de imediato o que mais me apetece: se fotografar a cidade, se fotografar-te a ti. Suspendo vagaroso o tempo e analiso-te enquanto finjo fotografar-te. No frenesim que nos compassa os movimentos, não fixei as linhas que te delimitam, então guardo a tua imagem para não esquecer nunca todos os retratos que o teu rosto encerra. Pudesse apenas fotografar-te agora, de verdade, neste momento, tão apetecível que ficas. Cada expressão que me devolves sabe-me a um frame que se quer ser captado, tamanha que é a provocação espelhada nas danças que ensaias. O melhor beijo que te dei, é aquele que ainda não te dei, aquele que insinuo suspendendo a minha boca sobre a tua, sem nunca chegar realmente a deixar os meus lábios aquietarem os teus. O teu hálito quente faz-me estremecer, ferves e eu fervi-lho na evidência da temperatura denunciada pelo teu corpo. Deslizando os dedos por ti fora, perco-me nos labirintos que te desenham e te tornam único. As cores vivas captam-me o olhar, mas não por muito tempo. Seguro de ti, queres em convencer que sabes de tudo, que de emoções estás cansado, que os meus trilhos são-te familiares, apesar da inóspita vénia que te curvo em te venerando. Tu não sabes é nada, quando podias saber tanto. E ao mesmo tempo sabes tanto, e deixas-me confusa quanto ao tanto que realmente sei. Ou será que não sei?...