sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Ego(s)

Photo @  Ana Ribeiro Lages 2013 Sevilha

Esfreguei a minha pele com quanta força tinha. Calquei-a forte contra o chão, raspei-a com violência contra as paredes, sangrei-a sem dó nem piedade em arestas afiadas. Queria arrancar a pele tua que resistia ainda na minha. Queria rasgar-te para fora de mim, desventrar-te das minhas entranhas e desfeita ficar, mas só eu, sem artes nem manhas, nem facas afiadas para me apunhalarem. Sim, apunhalarem, que do amor tantas vezes se faz sangue, vísceras são expostas, interiores são revolvidos para nunca mais voltarem a ser o que sempre eram. Das palavras fazer vento, e não as deixar entrar pelas brechas e chegarem fundo, onde alegram e fazem doer. E do vento não respirar uma molécula só, que à mínima falência do espírito, e juro ser capaz de me desfazer no calor do teu colo, e de lá não mais acordar para o que uma vez fui. Vi-te esfumaçares-te entre os pós da praia, vi-te bebido em tantos copos em noites que não acabavam mais, vi-te fumado nos incontáveis cigarros das tardes aflitas. E depois de te ver e fazer desaparecer tantas e tantas vezes, degolas-me uma vez mais sem sombra de misericórdia que te tolde o olhar. Frio, egoísta, ditatorial. E eu, escrava desses pesares de amor de que me arrasto, vergo-me ante tamanha violência, destemida que sou também eu. Se me tocas com um dedo só, desfaço-me. Sem promessas que das cinzas venha a renascer, entrego nas tuas mãos o condão de me encontrares. Não sou anjo nem fada, tenho costas e de asas nunca ouvi falar. Sombra também tenho, deixo-a por onde passo em Lisboa quando passo, entre um ponto e o outro. Segue o meu rasto, hei-de lá estar.

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