segunda-feira, 18 de novembro de 2013



Os pés contorcem-se em reclamações dentro dos sapatos, desabituados que estão deste tipo de apertos. Os joelhos barafustam com a altura a que os pés se encontram do chão, e na base da nuca consigo tocar uma pequena rasta, troféu máximo do desprezo a que o cabelo foi votado durante todo o verão. Segue até agora queimado do sol, tenso, desalinhado. Não fui feita para sapatos altos, nem para viver num aquário. Mas também, quem podia prever que numa fase em que era suposto escolher o caminho a seguir, iríamos mergulhar na mais frustrante e incapacitante crise económica de que há memória?

Se já era difícil fazermos o que queríamos, agora esses sonhos parecem completamente inatingíveis, impossivelmente esquecidos num passado irrecuperável. E a última coisa que me apetece fazer é compor o cabelo, cuidar que as unhas apresentem o verniz adequado, engomar o meu melhor fato (a utilização do substantivo fato nesta fase da narrativa tem apenas o carácter lírico de ilustrar, dado que não tenho nem nunca tive nenhum fato) ou calçar os sapatos menos desconfortáveis que calhar a encontrar lá por casa. Queria sim, confundir cada fio de cabelo de tanta água, de tanto sal, que não mais se consigam destrinçar uns dos outros, quero apagar de sol este branco esquálido e abjecto que se apoderou da minha pele sem aviso prévio, quero pintar as unhas de areia e de sonhos, dez sonhos que ainda não concretizei, e outros dez que ainda hei-de sonhar, quero vestir-me de brisas que aliviem e de ventos que tragam felicidade. E espoliada dos penteados, dos vernizes, dos fatos e dos sapatos, quieta ficar entregue ao beijo de luz que cada lua me traz à alma, pois que nesse momento etéreo saberei de que é feita a felicidade, mais movediça que a areia que tanto gosto de pisar…


2 comentários:

  1. E mesmo assim, consigo imaginá-la de fato, com um verniz de cor e imaculado... para o atirar ao vento logo que os pés sintam a areia e os sentidos, o mar.

    ResponderEliminar
  2. texto profundo que exaltou a minha superficialidade (tons de areia para as unhas dos dedos que resistem estóicamente a qualquer sapato menos confortável :-)
    (a mim, a preguiça deixa-me por vezes com 3 camadas de verniz, da mesma côr :-D

    ResponderEliminar