quinta-feira, 14 de novembro de 2013

photo @ Anne Arden McDonald www.anneardenmcdonald.com

Noutro dia, dei por mim a ir sozinha ao DocLisboa, e se há poucas coisas que me proponha a fazer sozinha, uma delas é sem dúvida ir ao cinema. O documentário versava sobre a imagem na Coreia do Norte, mas pouco ou nada fiquei a saber sobre o assunto, já que dei por mim a dormir a maior parte do tempo. Era Domingo, cinco da tarde, estava ligeiramente de ressaca e lá tive que ceder e deixar-me dormitar em pleno filme, pese embora fosse um assunto que me interessasse.

A última vez que me lembrava de ter feito algum programa sozinha, foi numa das idas a Londres, e lá me pus a ver o Museu de História Natural… sozinha. Depois de me ter apercebido da dimensão dantesca das salas, decidi começar por arriscar uma sala onde vi uma estátua da Ilha de Páscoa. E pronto, foi isto, dei meia volta e mandei-me para a rua, onde pelo menos entre as pessoas tinha a ilusão de não deambular por minha conta e risco (afinal de contas, ainda bem que não vi o Museu, que este mês volto lá com o meu irmão e sei que nos vamos divertir muito mais a conhecer o Museu juntos).

Esta coisa de andarmos e fazermos coisas sozinhos pode causar estranheza quando durante muitos anos nos habituámos a ter alguém que automaticamente nos acompanhava para todo o lado. Mas o medo da solidão não se deve confundir com a fobia de nós próprios. Todos temos fantasmas, esqueletos no armário cujas portas não gostamos de abrir. E estarmos sozinhos deixa-nos especialmente vulneráveis a todas as coisas que nos amedrontam. Mas estar sozinho não tem que ser necessariamente mau. Antes pelo contrário: se bem aproveitado e compreendido, pode e deve ser um momento de reforço do nosso ego, da nossa força interior, e especialmente, da sã convivência connosco próprios, por muitos fantasmas e esqueletos que possamos encontrar perdidos dentro de nós.

Por mim falo, que passei uma vida inteira a “varrer para debaixo do tapete” tudo que me assustava, tudo que me magoava, tudo que me deixasse frágil, vulnerável, indefesa. E se em muitos momentos, a minha sanidade mental dependeu de me isolar da realidade e em fazer-me acreditar que tudo havia de ficar bem, hoje felizmente já não preciso de me esconder dos piores sentimentos nem de fingir que tudo vai ficar bem. Permito-me sentir a dor quando tenho que a sentir, permito-me chorar a tristeza quando tenho que a chorar, e permito-me especialmente viver a zanga quando assim se impõe.

Hoje tenho o privilégio de poder fazer o que não fiz durante um passado inteiro. Ao invés de contornar as dificuldades tapando os ouvidos e fechando os olhos, abro agora os armários todos e sacudo bem sacudidos os esqueletos. Mas que não se pense que o facto de o fazer voluntária e conscientemente torna a busca mais fácil. Nada mesmo. Perscrutar o que temos dentro não é de todo uma tarefa fácil, quanto mais prazerosa. O bom disto tudo, é que a dada altura se percebe que afinal cá dentro há mais do que armários empoeirados. Há salas cujas portas apetece abrir, cuja luminosidade se quer aproveitar, sentar e desfrutar da vista. Afinal, estar sozinhos connosco próprios é até bom, e não tem que ser nenhum bicho de sete cabeças.

Excepção feita, claro está, a idas solitárias ao cinema que se transformam em sestas por falta de quem nos obrigue a estar acordados. Um desperdício de dinheiro…



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