Não conheço a proibição. E minha própria força me libera, essa vida plena que se me transborda. E nada planejo no meu trabalho intuitivo de viver: trabalho com o indireto, o informal e o imprevisto.
Clarice Lispector, in Água Viva
Sei de cor os dias todos, ou
quase. O da água, o do gás, o da luz e da internet, da renda, do IMI, do
imposto automóvel e dos seguros todos. Raramente sou apanhada na curva, aprendi
a ser assim para ver se ia caindo do cavalo menos vezes, como chegou a
acontecer umas quantas vezes. Sou matemática, calculista, arrumada no que aos
aspectos práticos da vida diz respeito.
Mas quando anoitece, o caso muda
de figura. O caos atrai-me, a imprevisibilidade do ser humano tem-me amarrada a
olhar para ela como quem antevê um tornado, mas não corre a esconder-se no
abrigo. Gosto de me sentir sacudida nas minhas crenças e nos meus preceitos, desafiada
pela aleatoriedade que os acontecimentos assumem, aturdida nos caminhos que se
vão proporcionando – descalça na maioria das vezes. Porque se durante o dia
procuro não me sujeitar ao desconhecido, a noite entrega-me à fúria dos
elementos, à impetuosidade carnavalesca que as trevas sempre carregam consigo.
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