E agora, o Brasil.
Viver um Carnaval no Rio
de Janeiro foi indubitavelmente das experiências mais exigentes a que o meu corpo
já sobreviveu. Empurrados pela cerveja e entorpecidos pelo calor, os membros
sucumbem constantemente num bizarro limbo de dor e de prazer, mas nunca, nunca
desistem. Mais um bloco, mais uma música, mais uma latinha/piriguete divida com
dois, três amigos, um sacolé para refrescar, e segue outro bloco, que "o
tempo ruge e a Sapucaí é grande".
Compromisso é coisa que
o Carnaval carioca desconhece. As videntes que jogam búzios prometem pelas
paredes fora trazer a pessoa amada em três dias. A pessoa amada está a
cada esquina, e se a perdermos hoje, amanhã será desapegadamente de outro
folião que calhe a aproximar-se-lhe. Já beijou hoje, oiço-os perguntar
a uns e a outros, ah, então me beija. Puxa, beijo gostoso o
seu. E é de beijos que se alimenta a festa mais desinibida de todas, a
carne vale e vale tudo pela carne. Não se pode esperar que um compromisso
sobreviva umas fugazes vinte e quatro horas. Uma hora talvez, e com sorte o
destino dita o resto.
Beijos e folias à parte - que o meu corpo ainda a reclama - no Brasil fui descobrir amores e poesias raros de encontrar, e tão prazerosos de preservar. Ninguém me avisou que para além de fisicamente desafiante,
esta seria uma viagem emocionalmente vertiginosa. E eu que das férias só
costumo trazer cansaço acumulado e preguiça de voltar ao trabalho, desta vez
trouxe um coração inundado de amor surpresa, de amigos que abraçam e me deixam
impotente de felicidade, que me fazem chorar a bandeiras despregadas no
aeroporto, desmastreada e perdida de voltar a este frio e a este país que
julgava quente e percebo agora ser afinal moderadamente ameno, amenamente
caloroso. Sem esperar, dei de caras com um povo delícia, que abraça sem meias
medidas, que ama sem preconceitos, que beija como quem come um iogurte. E senti
mais do que nunca o “peso” da herança comum que partilhamos, da história que
construímos juntos, da bênção que é chamar o Brasil de país irmão. Ilusão da língua
comum ou efeito das amizades encontradas, o certo é que nunca me senti tão em
casa como neste país quente onde os insectos me devoraram sem tréguas, onde o
calor impedia a maquilhagem de se me segurar no rosto, onde a cerveja
substituiu a água durante dias a fio, onde a temperatura é tão alta que o mar
quase não chega para a ludibriar.
Porque nasci portuguesa. Mas se perguntassem, teria escolhido nascer brasileira.
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