quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

M A N O S



As noites não eram muito diferentes umas das outras. Sempre que o céu desabava para nos desarmar, o cheiro do petróleo invadia as paredes grossas e antigas da cozinha. Um lugar tosco nos abrigava a todos, esquiço de família que nunca o chegou a ser de verdade. O frio uma constante, o corpo de mãos em mãos passando da toalha de banho para o pijama, do pijama para uma manta quente que há-de deitá-lo numa cama algures lá em cima. As noites mais assustadoras, de insistir em ler um livro à luz tímida da vela, de abraçar o corpo e entregá-lo às paredes meias do frio. O inverno atravessava-nos o corpo como nenhuma outra estação, fazia de nós intrépidos e determinados sobreviventes aos caprichos das intempéries. Uma papa esbranquiçada e depois amarelada do açúcar mascavado alimentava-vos para essa noite fria que agora avançava sobre nós. Fiéis amigos, nós os dois. Sem ti eu nunca teria sido eu, senão uma sombra deambulante pelas terras que eles  nos deixaram. Espectro assombrado, sem saber o que seria de mim assim sem ti, sangue do meu sangue, irmão do meu coração.

És o meu amigo da vida, para a vida.
A vida sem ti tinha sido tão triste.

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