Seguimos
rua acima de mãos dadas, tu entretida nos teus pequenos pulinhos de quem
festeja mais um regresso a casa pela mão do papá, eu perdido nos meus
pensamentos que de produtivos pouco têm. Ainda és pequenina, ainda precisas que
te puxe pela mão para te proteger dos perigos mil que a rua esconde. Olho para
ti e sinto-me eu pequeno ante a tua ousadia, a tua curiosidade, a tua coragem
de tudo enfrentar e de todos questionar. Procuro muitas vezes um fio condutor,
um elo, uma conexão que me traga do momento em que o pequeno era eu, até esta
bizarra situação em que te tenho, um ser de palmo e meio, a meu cuidado. Eu,
que nunca soube cuidar de nada, eu que mal tinha mão em mim, eu que agora te
cuido e zelo pela tua vida. E sinto-me profundamente triste com o egoísmo das
minhas projeções de um presente futuro que nunca foi nem nunca mais será. Não
sou mais só eu, nunca mais serei só eu. E apesar de poucas as vezes, foram as
suficientes para me embaraçar. As vezes em que pensei onde estaria eu agora, se
não aqui estivesse de mãos dadas contigo, a puxar-te rua acima. Onde estaria eu
agora, se não te levasse de volta ao colo da tua mãe, se não tivesse horário
para vos amar, todo um calendário de afetos por cumprir. A responsabilidade é
uma palavra de muitas letras que muito me custa a pronunciar, tão complicada
que não ta saberia explicar se quisesse, senão decompô-la num bê-á-bá que te fizesse
sombra de sentido. Sinto-me mesmo muito pequeno, e sinto-me mesmo muito
envergonhado. De não encontrar nos teus pequenos olhos castanhos um explicação
plausível para a minha existência obtusa, para a minha existencial confusão. Diziam-me
anos antes com umas palmadas reconfortantes nas costas, que o amor de pai era o
amor maior a que poderia alguma vez almejar. E sim, pequena, amo-te com toda a
força que é possível a um ser depositar de amor em outrem. Mas, mas, sempre um “mas”
teimoso. Mas… E se não estivesses aqui? E se a tua mãe não perscrutasse já da
varanda a nossa chegada a casa, desejosa de nos abraçar no seu maternal abraço?
Raios, odeio-me tanto por te questionar a ti e à tua existência. Mas o que faço
eu, pequena, o que faço eu para expurgar de uma vez estas malditas
interrogações, e deixar-me só ser amado em mais uma das tuas brincadeiras, sem
pensar mais uma vez, o que seria feito de mim, se tu não estivesses aqui…?
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