terça-feira, 24 de novembro de 2015

sombras



Seguimos rua acima de mãos dadas, tu entretida nos teus pequenos pulinhos de quem festeja mais um regresso a casa pela mão do papá, eu perdido nos meus pensamentos que de produtivos pouco têm. Ainda és pequenina, ainda precisas que te puxe pela mão para te proteger dos perigos mil que a rua esconde. Olho para ti e sinto-me eu pequeno ante a tua ousadia, a tua curiosidade, a tua coragem de tudo enfrentar e de todos questionar. Procuro muitas vezes um fio condutor, um elo, uma conexão que me traga do momento em que o pequeno era eu, até esta bizarra situação em que te tenho, um ser de palmo e meio, a meu cuidado. Eu, que nunca soube cuidar de nada, eu que mal tinha mão em mim, eu que agora te cuido e zelo pela tua vida. E sinto-me profundamente triste com o egoísmo das minhas projeções de um presente futuro que nunca foi nem nunca mais será. Não sou mais só eu, nunca mais serei só eu. E apesar de poucas as vezes, foram as suficientes para me embaraçar. As vezes em que pensei onde estaria eu agora, se não aqui estivesse de mãos dadas contigo, a puxar-te rua acima. Onde estaria eu agora, se não te levasse de volta ao colo da tua mãe, se não tivesse horário para vos amar, todo um calendário de afetos por cumprir. A responsabilidade é uma palavra de muitas letras que muito me custa a pronunciar, tão complicada que não ta saberia explicar se quisesse, senão decompô-la num bê-á-bá que te fizesse sombra de sentido. Sinto-me mesmo muito pequeno, e sinto-me mesmo muito envergonhado. De não encontrar nos teus pequenos olhos castanhos um explicação plausível para a minha existência obtusa, para a minha existencial confusão. Diziam-me anos antes com umas palmadas reconfortantes nas costas, que o amor de pai era o amor maior a que poderia alguma vez almejar. E sim, pequena, amo-te com toda a força que é possível a um ser depositar de amor em outrem. Mas, mas, sempre um “mas” teimoso. Mas… E se não estivesses aqui? E se a tua mãe não perscrutasse já da varanda a nossa chegada a casa, desejosa de nos abraçar no seu maternal abraço? Raios, odeio-me tanto por te questionar a ti e à tua existência. Mas o que faço eu, pequena, o que faço eu para expurgar de uma vez estas malditas interrogações, e deixar-me só ser amado em mais uma das tuas brincadeiras, sem pensar mais uma vez, o que seria feito de mim, se tu não estivesses aqui…?

Sem comentários:

Enviar um comentário