Não, não quero
mais gostar de ninguém porque dói. Não suporto mais nenhuma morte de ninguém
que me é caro. Meu mundo é feito de pessoas que são as minhas – e eu não posso
perdê-las sem me perder.
Clarice Lispector
Ainda não te digeri bem.
Caíste-me mal como uma cerveja
morta em final de noite, que já não aquece nem arrefece, só estorva. Usurpas com
doentia mestria a libido alheia, completamente indiferente aos danos colaterais
do teu hedonismo. Para quê então essa falsa mansidão com as palavras, para quê
fazer das conversas um chá das cinco, quando sabes que o teu propósito é sempre
e só o de te servires dos outros a teu bel-prazer ?
Nunca tiveste muito jeito para te
desfazeres de coisas velhas. As escovas de dentes já descartadas e esquecidas meses
a fio pelos WCs, o pomposo séquito das lâminas usadas e ferrugentas amontoadas
umas ao pé das outras, as especiarias caducadas há meses, anos atrás jogadas
pela cozinha, o frigorífico, fiel depositário de alimentos decompostos ou em
vias de.
Às pessoas fazes o mesmo. Deixa-las habitarem-te indefinidamente, perpetrando memórias que já ninguém quer, procrastinando como quem dança à volta do inevitável. Se pudesse, processava-te em saquinhos de chá enquanto durasses, para te ferver e te beber em vagarosos tragos, até que te esgotasses dentro de mim em sabores de frutos e de flores.
A última vez que fiz o percurso
do rio, senti o estranho descompasso do amor desconjuntado que às vezes levo a
passear. O coração em arritmias leves, quase inaudíveis, lembrando que a
presença do corpo não é senão um luxo que a poucos assiste, quando as almas são
inseparáveis, desde sempre e para sempre.
Insistes em bater dentro de mim.
Tão mais fácil se fosses só um saquinho de chá.
Soube-me a chá ler isto. Adoro.
ResponderEliminarobrigada ♥
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