quarta-feira, 10 de julho de 2013

Observou-os palmilharem a entrada do parque juntos, como se de um casal se tratasse. Achou-os bonitos juntos, como quase todas as pessoas que podia observar à sua volta. Mas quando a estrada em que seguiam se bifurcou, um tomou a direita, o outro a esquerda. Ela sentou-se à beira de uma estátua enquanto ia brincando com o Jack Russell que trazia consigo. E ele fumou o cigarro que acabara de enrolar, à medida que ia passando a mão pela cabeça, como quem enaltece o sentimento trazido pela paisagem de casas, colinas e antenas que tinha à sua frente.

Ela não podia estar mais bonita naquela tarde. Vestido arroxeado de cinto à cintura, sandálias rasas, óculos escuros e o cabelo impecavelmente arranjado, como se fresca pela manhã tivesse acabado de sair de casa. E toda uma maneira de sentar, de pousar as mãos no colo, até os trejeitos empregues quando para longe atirava o pau que o Jack Russell lhe devolvia em menos de nada.

Já ele primava pelo desarranjo da t-shirt riscada, mais caída para um lado que para o outro, e pelo desgaste das Paez já meio rotas que trazia calçadas.

A rapariga que absorta lhes apreciava a interacção estava capaz de jurar tê-los visto trocar uns olhares furtivos, até porque já se tinham topado à chegada. Ela a olhar na direcção dele – quando no fundo podia estar a olhar para outro lado qualquer – e ele meio que de esguelha a olhar na direcção dela – quando possivelmente estava só a admirar o Jack Russell, o pastor alemão e o bulldog que por lá também andavam. E ela apertou os olhos com força, num desejo irracional de que dali saísse uma história de amor, que na sua cabeça estava já a acontecer. Era só ele ter arrastado as Paez meio rotas até ela, ou ela ter esvoaçado o vestido até ele. Mas eis senão quando ele se levanta para inesperadamente deixar a observadora extasiada e dar um destino final ao romance que afinal nunca existiu. Dirige-se ao ciclista que acabara de chegar e a quem pelos vistos parecia conhecer, para dar início ao mais descarado flirt, entre olhares e risinhos, sem descurar os nada inocentes toques aqui e acolá. A rapariga do Jack Russell dir-se-ia não ter escondido uma réstia de descontentamento. Ou estaria a observadora só a querer esticar mais um pouco uma história que afinal se resumia à sua desmedida imaginação?

Estremunhada pelo infrutífero devaneio, projectou o corpo para trás, deitou a cabeça na relva e abstraiu-se dessas prosas queirosianas que trazia na algibeira para todas as ocasiões, para todos os lugares. Mais acima na relva, alguém dedilhava numa guitarra uns acordes melosos, acompanhados de uma tímida voz fina de timbre brasileiro, e a música ia-a submergindo mais e mais numa aquosa ondulação de despojamento e felicidade. De sorriso nos lábios, sentiu a humidade da relva entranhar-se-lhe nas roupas, contrariando os malfadados 40° que deviam estar fora do jardim. As folhas das árvores não podiam estar mais verdes, o céu mais azul, e a sua alma mais cheia.

Num raro momento de tranquilidade, pensou para si própria um cliché, coisa que abominava, mas cujo sabor delico-doce não pôde evitar. E soube nesse exacto momento que se morresse agora, morria feliz. É aquando desta inócua constatação que um beijo no ombro a traz de volta à realidade.

Vamos embora?
Só mais cinco minutos?
Nada disso… hoje vens comigo para casa.


Pegando-lhe pelas mãos, levantou-a e levou-a para casa. Outro beijo no outro ombro selou a despedida, e envoltos do bucolismo do jardim, foram para casa dele criar outras histórias compostas de outras matérias. 

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