Observou-os palmilharem a entrada do parque juntos, como se
de um casal se tratasse. Achou-os bonitos juntos, como quase todas as pessoas
que podia observar à sua volta. Mas quando a estrada em que seguiam se
bifurcou, um tomou a direita, o outro a esquerda. Ela sentou-se à beira de uma
estátua enquanto ia brincando com o Jack
Russell que trazia consigo. E ele fumou o cigarro que acabara de enrolar, à
medida que ia passando a mão pela cabeça, como quem enaltece o sentimento
trazido pela paisagem de casas, colinas e antenas que tinha à sua frente.
Ela não podia estar mais bonita naquela tarde. Vestido
arroxeado de cinto à cintura, sandálias rasas, óculos escuros e o cabelo
impecavelmente arranjado, como se fresca pela manhã tivesse acabado de sair de
casa. E toda uma maneira de sentar, de pousar as mãos no colo, até os trejeitos
empregues quando para longe atirava o pau que o Jack Russell lhe devolvia em
menos de nada.
Já ele primava pelo desarranjo da t-shirt riscada, mais
caída para um lado que para o outro, e pelo desgaste das Paez já meio rotas que
trazia calçadas.
A rapariga que absorta lhes apreciava a interacção estava
capaz de jurar tê-los visto trocar uns olhares furtivos, até porque já se
tinham topado à chegada. Ela a olhar na direcção dele – quando no fundo podia
estar a olhar para outro lado qualquer – e ele meio que de esguelha a olhar na
direcção dela – quando possivelmente estava só a admirar o Jack Russell, o
pastor alemão e o bulldog que por lá também andavam. E ela apertou os olhos com
força, num desejo irracional de que dali saísse uma história de amor, que na sua
cabeça estava já a acontecer. Era só ele ter arrastado as Paez meio rotas até
ela, ou ela ter esvoaçado o vestido até ele. Mas eis senão quando ele se
levanta para inesperadamente deixar a observadora extasiada e dar um destino
final ao romance que afinal nunca existiu. Dirige-se ao ciclista que acabara de
chegar e a quem pelos vistos parecia conhecer, para dar início ao mais
descarado flirt, entre olhares e risinhos, sem descurar os nada inocentes
toques aqui e acolá. A rapariga do Jack Russell dir-se-ia não ter escondido uma
réstia de descontentamento. Ou estaria a observadora só a querer esticar mais
um pouco uma história que afinal se resumia à sua desmedida imaginação?
Estremunhada pelo
infrutífero devaneio, projectou o corpo para trás, deitou a cabeça na relva e
abstraiu-se dessas prosas queirosianas que trazia na algibeira para todas as
ocasiões, para todos os lugares. Mais acima na relva, alguém dedilhava numa
guitarra uns acordes melosos, acompanhados de uma tímida voz fina de timbre
brasileiro, e a música ia-a submergindo mais e mais numa aquosa ondulação de
despojamento e felicidade. De sorriso nos lábios, sentiu a humidade da relva
entranhar-se-lhe nas roupas, contrariando os malfadados 40° que deviam estar fora do jardim.
As folhas das árvores não podiam estar mais verdes, o céu mais azul, e a sua
alma mais cheia.
Num raro momento de tranquilidade, pensou para si própria um
cliché, coisa que abominava, mas cujo sabor delico-doce
não pôde evitar. E soube nesse exacto momento que se morresse agora, morria feliz. É aquando desta inócua constatação
que um beijo no ombro a traz de volta à realidade.
Vamos embora?
Só mais cinco minutos?
Nada disso… hoje vens
comigo para casa.
Pegando-lhe pelas mãos, levantou-a e levou-a para casa.
Outro beijo no outro ombro selou a despedida, e envoltos do bucolismo do
jardim, foram para casa dele criar outras histórias compostas de outras
matérias.
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