Os primeiros raios de sol havia já para mais de uma hora que
começavam a banhar as pedras soltas da calçada e a areia da praia. Os que ainda
apresentavam réstias de força começavam a dispersar, quais almas penadas,
enchendo as ruas de corpos moles e pardacentos, aparentemente sem destino
definido. Os outros, acostavam-se aqui e ali, caídos onde calhava, totalmente
alheios à vida que à volta lhes começava a despontar.
Eu própria arrastava o meu corpo rua acima, qual espectro, tomada
de uma inextrincável sensação de flutuar acima do chão que os meus pés
descalços e encardidos pisavam. Umas havaianas pendiam-me numa mão, uma cerveja
já morta jazia esquecida na outra. Resgatando o pouco discernimento que me
sobrava àquelas horas da manhã (uma sete…?), procurei dentro de mim um sentido
para a turbulência de sentimentos que vinha a sentir desde há horas. De um
palco longínquo, chegavam-me ainda os acordes da uma miúda qualquer que cantava
chorosa. I’m still in love with you, boy, queixava-se ela. Porra, pensei, não havia outra música para me chegar?... Um esgar de dor
assomou-se-me ao rosto em resposta à tensão que me chegava das costas, tal era
a intensidade dos dias que ora atravessava.
À chegada a casa, novo
reencontro. Um desvio forçado obriga-me a cruzar o espaço onde a odisseia
começou, e inevitavelmente os meus olhos fogem-me para as colinas e para o rio
e para a ponte e para os telhados onde por alguns minutos foste ainda meu,
quando afinal já não o eras há muito tempo. Porra,
sempre estes acasos, sempre. Quanto mais fujo, mais encontro. E não consigo
deixar de lembrar aquele dito do folclore brasileiro, podes fugir mas não te
podes esconder. Efectivamente não sou nada boa a esconder-me, por muito que
fuja.
A minha intuição tem sido fiel e infalível conselheira. Não
me tem deixado ficar mal, e mesmo quando não lhe passo qualquer crédito, qual
chapada de luva branca, acaba sempre por me provar que apontava o caminho certo
o tempo todo. Intuo pessoas, que se provavam ser as certas, intuo sentimentos,
nos quais acerto também, e intuo agora uma necessidade de estar só, mas que
tardo em validar. Deslindado esteja o tempo que está por acontecer, e sei que
esta miragem difusa do que quero para mim há-de florescer no oásis que lhe
pressinto. E sinto, pressinto e intuo uma vez mais que aí serei finalmente
capaz de recostar a cabeça, pousar as havaianas e a cerveja já morta, e sentir
os primeiros raios da manhã pousarem-se-me no rosto, como quem encerra um
capítulo.
Por fim, ficará só o que está por vir, e tudo o resto não
será senão um nevoeiro que escondeu a paisagem…
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