terça-feira, 30 de julho de 2013

Sines

Os primeiros raios de sol havia já para mais de uma hora que começavam a banhar as pedras soltas da calçada e a areia da praia. Os que ainda apresentavam réstias de força começavam a dispersar, quais almas penadas, enchendo as ruas de corpos moles e pardacentos, aparentemente sem destino definido. Os outros, acostavam-se aqui e ali, caídos onde calhava, totalmente alheios à vida que à volta lhes começava a despontar.

Eu própria arrastava o meu corpo rua acima, qual espectro, tomada de uma inextrincável sensação de flutuar acima do chão que os meus pés descalços e encardidos pisavam. Umas havaianas pendiam-me numa mão, uma cerveja já morta jazia esquecida na outra. Resgatando o pouco discernimento que me sobrava àquelas horas da manhã (uma sete…?), procurei dentro de mim um sentido para a turbulência de sentimentos que vinha a sentir desde há horas. De um palco longínquo, chegavam-me ainda os acordes da uma miúda qualquer que cantava chorosa. I’m still in love with you, boy, queixava-se ela. Porra, pensei, não havia outra música para me chegar?... Um esgar de dor assomou-se-me ao rosto em resposta à tensão que me chegava das costas, tal era a intensidade dos dias que ora atravessava.

À chegada a casa, novo reencontro. Um desvio forçado obriga-me a cruzar o espaço onde a odisseia começou, e inevitavelmente os meus olhos fogem-me para as colinas e para o rio e para a ponte e para os telhados onde por alguns minutos foste ainda meu, quando afinal já não o eras há muito tempo. Porra, sempre estes acasos, sempre. Quanto mais fujo, mais encontro. E não consigo deixar de lembrar aquele dito do folclore brasileiro, podes fugir mas não te podes esconder. Efectivamente não sou nada boa a esconder-me, por muito que fuja.

A minha intuição tem sido fiel e infalível conselheira. Não me tem deixado ficar mal, e mesmo quando não lhe passo qualquer crédito, qual chapada de luva branca, acaba sempre por me provar que apontava o caminho certo o tempo todo. Intuo pessoas, que se provavam ser as certas, intuo sentimentos, nos quais acerto também, e intuo agora uma necessidade de estar só, mas que tardo em validar. Deslindado esteja o tempo que está por acontecer, e sei que esta miragem difusa do que quero para mim há-de florescer no oásis que lhe pressinto. E sinto, pressinto e intuo uma vez mais que aí serei finalmente capaz de recostar a cabeça, pousar as havaianas e a cerveja já morta, e sentir os primeiros raios da manhã pousarem-se-me no rosto, como quem encerra um capítulo.


Por fim, ficará só o que está por vir, e tudo o resto não será senão um nevoeiro que escondeu a paisagem…

Sem comentários:

Enviar um comentário