photo @ Cláudia Rocha 2011 |
Abro a janela, vidros duplos, portadas brancas, varandinha
para os vasos. Anoiteceu e ao fundo acende-se a 25 de Abril e o Cristo sempre
de braços abertos. A rua é tosca mesmo, chama-se Heliodoro Salgado, nome de
jornalista que nunca nenhum operador de call-center, nem nunca nenhum
funcionário de FNAC alguma, nem nunca nenhum trabalhador do Continente entende
ou sabe como se escreve. E as cartas, os vales de desconto e todas as outras
promoções sempre passeiam por outras ruas antes de chegar à minha, desrespeitosamente
dirigidas à rua Eliodro Salgado, Elidoro Salgado, Hélidoro Salgado, em total
desconhecimento da existência da rua ou da pessoa que lhe deu o nome.
Fecho a janela apenas a tempo de conferir se o carro não
está a impedir a passagem do 28, ou se a Polícia Municipal ainda não o levou. A
Ana, a brasileira de olhos redondos do Piauí que chegou cá em Novembro, acha
que os portugueses são bonitos, até os
polícias!, dizia ela entusiasmada há pouco enquanto fugíamos ao frio no
Príncipe Real – isso é porque não
conheces os barrigudos de bigode que proliferam no interior. Menos o
Rodrigues, que é pai da Paula, não é barrigudo nem tem bigode, e é das pessoas
mais engraçadas de se conhecer.
Os segundos em que a janela ficou aberta, em que checkei o
meu carro, em que pensei na Ana e nos polícias e nos bigodes e no Rodrigues,
foram suficientes para ver as três miúdas no meio da estrada, duas em pose, a
terceira de máquina em punho. Seria digital ou automática? Mas é, a rua é tosca
mesmo, e às vezes chama-se Eliodro Salgado, outras vezes Elidoro Salgado, e
outras Hélidoro Salgado, muito raramente dá pelo nome de Heliodoro Salgado. Mas
mesmo no escuro e apesar do nome estranho e impronunciável para a maioria das
pessoas, duas miúdas quiseram pousar no meio da estrada, do breu e dos carros
para a outra as fotografar. Seria digital ou automática?
O indiano dos olhos amarelos da loja em frente (uma das
quinze lojas de indianos num raio de 500 metros) olha imerso para as miúdas. Ou
também questiona o intuito da foto, ou aprecia-lhes os corpos tenros e carnudos
dos dezoito anos que aparentam. Lembro-me do dia em que eu e a Paula ficámos
penduradas na varanda a ver o indiano dos olhos amarelos a ser levado pelo
INEM, e nunca chegámos a saber o que lhe deu nesse dia. Mas nesse dia os olhos
amarelaram-se-lhe mais do que nos outros dias, e meio desmaiado acabou por ser
levado numa ambulância também ela amarela.
O meu carro ainda lá está afinal, não foi abalroado pelo
eléctrico nem levado pelos senhores da polícia - são bonitos, não?
Sem comentários:
Enviar um comentário