terça-feira, 18 de junho de 2013

photo @ Cláudia Rocha 2011
Abro a janela, vidros duplos, portadas brancas, varandinha para os vasos. Anoiteceu e ao fundo acende-se a 25 de Abril e o Cristo sempre de braços abertos. A rua é tosca mesmo, chama-se Heliodoro Salgado, nome de jornalista que nunca nenhum operador de call-center, nem nunca nenhum funcionário de FNAC alguma, nem nunca nenhum trabalhador do Continente entende ou sabe como se escreve. E as cartas, os vales de desconto e todas as outras promoções sempre passeiam por outras ruas antes de chegar à minha, desrespeitosamente dirigidas à rua Eliodro Salgado, Elidoro Salgado, Hélidoro Salgado, em total desconhecimento da existência da rua ou da pessoa que lhe deu o nome.

Fecho a janela apenas a tempo de conferir se o carro não está a impedir a passagem do 28, ou se a Polícia Municipal ainda não o levou. A Ana, a brasileira de olhos redondos do Piauí que chegou cá em Novembro, acha que os portugueses são bonitos, até os polícias!, dizia ela entusiasmada há pouco enquanto fugíamos ao frio no Príncipe Real – isso é porque não conheces os barrigudos de bigode que proliferam no interior. Menos o Rodrigues, que é pai da Paula, não é barrigudo nem tem bigode, e é das pessoas mais engraçadas de se conhecer.

Os segundos em que a janela ficou aberta, em que checkei o meu carro, em que pensei na Ana e nos polícias e nos bigodes e no Rodrigues, foram suficientes para ver as três miúdas no meio da estrada, duas em pose, a terceira de máquina em punho. Seria digital ou automática? Mas é, a rua é tosca mesmo, e às vezes chama-se Eliodro Salgado, outras vezes Elidoro Salgado, e outras Hélidoro Salgado, muito raramente dá pelo nome de Heliodoro Salgado. Mas mesmo no escuro e apesar do nome estranho e impronunciável para a maioria das pessoas, duas miúdas quiseram pousar no meio da estrada, do breu e dos carros para a outra as fotografar. Seria digital ou automática?

O indiano dos olhos amarelos da loja em frente (uma das quinze lojas de indianos num raio de 500 metros) olha imerso para as miúdas. Ou também questiona o intuito da foto, ou aprecia-lhes os corpos tenros e carnudos dos dezoito anos que aparentam. Lembro-me do dia em que eu e a Paula ficámos penduradas na varanda a ver o indiano dos olhos amarelos a ser levado pelo INEM, e nunca chegámos a saber o que lhe deu nesse dia. Mas nesse dia os olhos amarelaram-se-lhe mais do que nos outros dias, e meio desmaiado acabou por ser levado numa ambulância também ela amarela.


O meu carro ainda lá está afinal, não foi abalroado pelo eléctrico nem levado pelos senhores da polícia - são bonitos, não?

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